60% dos feminicídios no Ceará em 2019 foram cometidos com outros objetos que não arma de fogo, diz estudo

Pesquisa mostrar dados sobre feminicídio no Ceará (Foto: Arquivo)

Os dados foram registrados no estudo Racismo, Motor da Violência. Um total de 151 casos de feminicídio e de violência contra a mulher foram registrados no Estado no período entre junho de 2019 e maio de 2020

A maior parte dos feminicídios ocorridos no Ceará no período entre maio de 2019 e junho de 2020 teve facas de cozinha e outras armas que não as de fogo como objetos do crime. Os dados são do estudo Racismo, Motor da Violência, realizado pela Rede de Observatórios da Segurança em cinco estados brasileiros. De acordo com essa pesquisa, 60% das mortes de mulheres por companheiros ou outros familiares foram executadas sem o uso de armas de fogo. Além do Ceará, o estudo foi realizado nos estados da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

O monitoramento reuniu e realizou análise de um número significativo de notícias relacionadas a feminicídio e violência contra a mulher. No total, mais de sete mil registros policiais, incluindo notícias de operações, violência por e contra agentes, corrupção, entre outros. Cada uma das instituições envolvidas, entre elas, a Universidade Federal do Ceará (UFC) por meio do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), foi responsável por um observatório e manteve pesquisadores dedicados a monitorar, diariamente, jornais, sites, portais, perfis de redes sociais e grupos de WhatsApp. A classificação das notícias seguiram os mesmos parâmetros e critérios.

De acordo com  o relatório, as informações foram revistas pela coordenação de pesquisa e compõem um banco de dados com as ocorrências nos cinco estados, “que vai bem além dos dados disponibilizados por secretarias e apresentam dados que foram, muitas vezes, subnotificados pelas pastas de segurança”, detalha a pesquisa.

“É importante ter em mente que o feminicídio, mesmo como crime violento, se diferencia muito dos outros homicídios porque tem como marca muito forte a questão do gênero. E as vítimas estão no contexto familiar e são mortas pelo companheiro ou namorado. São homens que conhecem as mulheres e têm ou tiveram uma relação de proximidade com elas até o momento da morte”, informa Ana Letícia Lins, pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da UFC.

A pesquisadora observa que muitos dos objetos usados para as mortes dessa mulheres são comuns na maior parte das residências, como pedaços de madeira e cano de pvc. “Uma das mulheres foi dormir depois da agressão com o cano e teve hemorragia interna”, diz. A crueldade no assassinato das mulheres acontece não somente pela morte em si, mas bem antes de terem suas vidas retidas. Muitas delas, ainda de acordo com a pesquisadora, foram colocadas em cárcere privado, são estupradas e sofrem agressões.

Desde o lançamento da Rede, em 28 de maio de 2019, a afirmação é de que o racismo seria tema central das análises. A taxa de homicídios no Brasil, uma das mais altas do mundo, é de 28 por 100 mil habitantes. Entre os jovens negros do sexo masculino, na faixa de 19 a 24 anos, a taxa é de mais de 200 a cada 100 mil habitantes. Os negros são 75% dos mortos pela Polícia; mulheres negras são 61% das vítimas de feminicídio.

De acordo com a pesquisadora, importante ter em mente que a violência de gênero é cometida por diferentes categorias e classes sociais. No contexto de pandemia, destaca Ana Letícia, a situação se agrava porque a mulher agredida precisa conviver 24 horas com o agressor.

A Rede de Observatórios da Segurança é um projeto que combina pesquisa baseada no monitoramento diário de mídias, com a atuação em favor dos Direitos Humanos e a análise feita por equipes locais, realizada em diálogo com a sociedade civil, dos fenômenos da violência. A informação é produzia e comunicada para um público amplo, trazendo o ponto de vista dos que conhecem de perto a realidade de cada um dos estados.

É uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), com apoio da Fundação Ford, o projeto é baseado na aliança entre organizações acadêmicas e de ativismo. Integram a rede o Cesec, do Rio de Janeiro; o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco; a Iniciativa Negra por Uma Nova Política de Drogas (INNPD), da Bahia; o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da Universidade de São Paulo (USP).

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