A cor da violência: mulheres negras sofreram 73% dos casos de violência sexual no Brasil em 2017, diz estudo

De 2009 a 2017, o número de mulheres negras vítimas de estupro aumentou quase dez vezes | Foto: Felipe Iruatã / Ag. A Tarde

Um estudo realizado pela Rede de Observatórios da Segurança divulgou, nesta quinta-feira, 5, na Universidade Federal da Bahia (Ufba), dados do relatório ‘A cor da violência: Uma análise dos homicídios e violência sexual na última década’. A pesquisa inédita analisou dados do Sistema Único de Saúde (SUS), do período de dez anos, apresentando números que alarmam a sociedade para a situação de vulnerabilidade que jovens negros e negras vivenciam no Brasil com relação à violência letal e sexual.

De acordo com a pesquisa, em 2017, as mulheres negras sofreram 73% dos casos de violência sexual registrados no Brasil, enquanto as mulheres brancas foram vítimas em 12,8%. De 2009 a 2017, o número de mulheres negras vítimas de estupro aumentou quase dez vezes. O estudo ainda mostra que a taxa de crime entre mulheres negras habitantes da Bahia é 16 casos por 100 mil, o dobro da taxa entre mulheres brancas, que é de 8 por 100 mil mulheres.

Idealizador da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, e representante baiano da Rede de Observatórios de Segurança, o historiador Dudu Ribeiro afirmou, em entrevista ao Portal A TARDE, que o estudo conseguiu perceber esse aumento do número de violências contra as mulheres negras, enquanto esses números conseguem manter uma regularidade de registros entre mulheres brancas. Questionado se esse aumento no número de casos seria devido ao aumento da violência ou do incentivo à denúncia, Dudu declarou que um suplementa o outro.

“Ao mesmo tempo em que a gente percebe um aumento significativo de discursos e eventos violentos, a gente imagina que uma parte da motivação que aumenta o impacto dos indícios é também a ampliação do número de informações, da oferta de possibilidades de denúncia. É possível perceber um crescimento vertiginoso e importante dessa violência, ao mesmo tempo há um crescimento de possibilidades de fazer a denúncia”, contou.

Violência letal e guerra às drogas

Entre os homens, quando observado pela ótica racial, os negros são as maiores vítimas de violência letal, sendo, no ano de 2018, 5.427 dos homens assassinados na Bahia, ao passo em que o número de homens brancos mortos foi 350. De acordo com Dudu Ribeiro, há uma dificuldade em se obter dados sobre a violência em órgãos como a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA), pois, segundo ele, não há transparência e disponibilidade desses números para toda a sociedade.

“A SSP precisa se comprometer a uma metodologia rigorosa e disponibilidade democrática dos dados, que não são da SSP e nem do governo, são dados da sociedade, que precisa saber como está sendo executada a política de segurança pública e como as pessoas estão sendo atingidas por ela”, afirmou, pontuando que o primeiro movimento seria o governo e a SSP se comprometerem para disponibilizar os dados desagregados e não apenas os dados macro, pois assim é possível olhar informações como cor, local da morte, idade das pessoas, e não apenas a taxa de homicídios, pois não permite uma análise muito completa.

“A defasagem dos dados é importantíssima e também faz parte do racismo estrutural, você impedir pessoas de terem acesso a dados sobre essas mortes…”, alertou o pesquisador.

Mesmo com a defasagem dos dados, embasados em estudos, teorias, além de pesquisas a partir de relatos de comunidades, da mídia e do alto índice de letalidade da polícia e outras organizações, foi possível perceber que as circunstâncias mais presentes no assassinato de homens negros estão ligadas a guerra às drogas, que, conforme o historiador, é um termo que serve de metáfora para uma guerra que é contra pessoas, sobretudo pessoas negras.

Para Dudu Ribeiro, a principal ação que pode ser feita pelas autoridades é optar, verdadeiramente, pela vida da população negra, mudando radicalmente a política de segurança pública.

“Passar por uma política que seja de segurança e não de repressão e violência, porque ela não funciona e não tem funcionado em nenhum lugar no mundo. Os índices de qualidade de vida das pessoas melhoraram, não porque a polícia mata ou prende mais, mas melhora quando as pessoas têm mais oportunidades”, explicou ele.

Segundo Dudu Ribeiro, é necessário desmontar a ideia de guerra às drogas e o aparato repressivo que comanda o processo de criminalização de territórios negros é importante para que essa realidade mude e as taxas de violência letal contra homens negros diminua.

“É fundamental para desmontar o processo genocida alterado através do estado na política de guerra às drogas”, concluiu.

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