Após 10 anos, permanência das UPPs é ‘indiferente’ no combate à violência, dizem moradores

People attend a protest against violence in Alemao slums complex after the death of Paulo Henrique de Oliveira, 13, during a shootout between drug dealers and police in Rio de Janeiro, Brazil, April 25, 2017. The banner reads "Lives in slums matter". REUTERS/Ricardo Moraes

Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) revela que as unidades pacificadoras não modificaram o cotidiano de moradores de favelas.

Rio de Janeiro, dezembro de 2008, em meio ao morro que divide os bairros de Botafogo e Laranjeiras, a primeira unidade de polícia pacificadora (UPP) foi instalada na favela Santa Marta pela Polícia Militar.

De lá para cá, a intervenção foi defendida por muitos como a solução para o tráfico de drogas e a violência nos bairros cariocas. Hoje, a crise do estado é somada aos índices de violência em patamares que beiram o inaceitável.

Só neste ano, a cada sete horas, um carioca foi vítima de bala perdida. No ano passado, por exemplo, o Rio de Janeiro registrou o maior número de mortes violentas dos últimos seis anos.

Para os moradores das 37 favelas em que as UPPs estão presentes, a implantação das unidades não modificou em nada o seu cotidiano.

De acordo com o relatório UPP: Última Chamada – Visões e expectativas dos moradores de favelas ocupadas pela Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro, divulgado nesta terça-feira (22), pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), ao serem indagados sobre os aspectos positivos ou negativos da ocupação, entre 55% e 68% dos moradores responderam que a presença da UPP “não faz diferença”.

“Ao longo desses últimos anos, a impressão que temos é a de que a UPP é uma empresa em que ninguém está satisfeito. Os policiais não estão satisfeitos em trabalhar nas unidades e os moradores também não estão satisfeitos com o policiamento. Mas, ao mesmo tempo, a pesquisa deixou claro que os moradores defendem a permanência das unidades. Só que é uma medida que precisa de mudanças urgentes”, explica Silvia Ramos, uma das coordenadoras do relatório.

“O pior que poderia acontecer seria o estado abandonar essas áreas. Não se pode simplesmente desistir das favelas. O problema da favela é da cidade e não da favela. É dever do poder público. E as políticas que estão hoje com tiroteios que permanecem há mais de 10 dias em um mesmo território não podem continuar.”

Residents walk as Armed Forces members patrol during an operation against the organized crime in Lins slum complex in Rio de Janeiro, Brazil August 5, 2017. REUTERS/Ricardo Moraes

As unidades baseiam-se no conceito de “polícia de proximidade”. De acordo com Silvia Ramos, tal tipo de policiamento requer que sejam criados laços entre os policiais e a comunidade.

Ela explica que onde existe uma área com a segurança comprometida você não pode produzir um policiamento que entra e sai, que aparece de vez em quando. Mas sim uma polícia que tenha uma relação com os moradores controlada.

“O policial te conhece e você também. Esse tipo de interação tende a reproduzir uma relação de confiança que vai aumentando. O policial conhece os moradores e suas rotinas. Esses tipos de laços comunitários tendem a reduzir a suspeição e aumentar a capacidade da polícia de descobrir uma situação diferente.”

Porém, o último relatório do CESeC relata uma realidade diferente. Segundo os moradores, poucos foram aqueles que tiveram contato direto com os policiais das UPPS em situações rotineiras. Por exemplo, 96% dos entrevistados alegaram que sequer pediram informações aos profissionais.

A coordenadora analisa que ao longo do processo de implantação das UPPS, esse modelo de “proximidade” foi logo substituído por um policial que tem como método a revista e a patrulha.

“Ele impede qualquer possibilidade de criar esses laços. Ele passa na viatura, para e aborda os moradores. Verifica se tem uma situação suspeita e vai embora. Na comunidade, esse procedimento era para ser reduzido ao minimo. Mas em muitos casos esse policiamento de proximidade foi substituído por um policiamento provocativo. Para os jovens, a revista é extremamente suspeita e humilhante”, argumenta a pesquisadora.

Para ela, houve uma falha muito grave ao não investir em planejamento e na inteligência das operações, o que permitiu que um fluxo de armas e fuzis se recolocassem nas favelas. A coordenadora explica que o movimento se deu paralelamente ao fato de que o policiamento das UPPs foi perdendo prestígio.

“Ao perder legitimidade foi preciso usar a força”, analisa.

Em outras pesquisas do CESeC, publicadas entre 2010 e 2014, o público alvo foram os policiais. Silvia relembra que a polícia relatou diversos casos de apedrejamento dos moradores contra as viaturas, por exemplo.

“Não é um problema só com o crime. É um problema com os moradores. O policial que se descontrola com o morador e abusa da força. O morador que desrespeita totalmente o papel do policial”, analisa.

Para ela, os policiais das UPPs foram formados como policiais comuns, enquanto eles precisariam de treinamento específico, além de um acompanhamento e de uma penalização para os agentes com más condutas.

Outro ponto levantado pelo relatório são as diferenças significativas entre a percepção das UPPs em regiões distintas da cidade. Para os moradores da Zona Centro e Sul a UPP trouxe benefícios (48%), já os moradores da Zona Oeste são os que menos acreditam nisso (23%).

De acordo com a pesquisa, estes dados revelam que a política tem funcionado melhor nas áreas “nobres” do Rio. Outros dados reiteram tais percepções.

Nos territórios próximos aos bairros nobres é onde se registrou uma parcela mais baixa de pessoas abordadas repetidamente; os moradores têm maior percepção de impactos positivos da UPP sobre a economia local; e há a sensação de segurança, o que também influência na melhor avaliação dos policiais.

A policeman takes up position during an operation against drug dealers in Cidade de Deus slum in Rio de Janeiro, Brazil, July 10, 2017. REUTERS/Ricardo Moraes

Durante o ano de 2016 foram aplicados questionários de 56 perguntas a 2.479 pessoas com 16 anos ou mais de idade. A amostra serviu como representação para o universo considerado de 777.506 homens e mulheres que residem nos territórios em que as UPPs estão presentes. Estes moradores correspondem a cerca de 15% da população carioca com 16 anos ou mais, segundo o último Censo do IBGE.

Apesar da indiferença que marcou a maioria das respostas, outra parcela dos moradores acredita que a ocupação dos policiais trouxeram benefícios.

Eles destacam o melhor acesso a serviços públicos e privados, as obras de infraestrutura, os projetos sociais, as oportunidades de trabalho e a liberdade de ir e vir. Entre os aspectos negativos, constam o aumento dos alugueis, o êxodo de moradores, os tiroteios, as mortes, além dos desaparecimentos, roubos, furtos e estupros de moradores.

“A maior surpresa dessas pesquisas é que apesar de serem críticos, os moradores querem que a UPP fique nas comunidades. Mas eles querem que ela seja modificada. Isso mostra que é a mesma relação que nós, ‘da cidade’, temos com a polícia. Não queremos o abandono, mas a transformação”, explica Silvia Ramos.

Entre as modificações necessárias para a permanência das UPPs, os moradores defendem o fim das incursões violentas da polícia e dos tiroteios; o melhor treinamento dos policiais; a punição dos desvios cometidos pelos agentes; além de melhores condições de trabalho para os policiais; mais efetividade no controle dos criminosos e a tão prometida oferta de outros serviços públicos além do policiamento.

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