As ruas sem lei

O número de assaltos a transeuntes (que inclui os ataques a pedestres e a motoristas, quando o veículo não é levado pelos bandidos) no Estado do Rio subiu 87% nos últimos seis anos, apesar de os casos de roubos de celulares terem sido retirados das estatísticas em novembro de 2000, passando a ser computados separadamente. Segundo pesquisa inédita do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), baseada em dados da Secretaria de Segurança, o aumento do número de assaltos a transeuntes na Zona Sul no mesmo período foi de 32,78%.

O resultado do estudo será publicado a partir de hoje no GLOBO, numa série de reportagens que revela a geografia da violência. O Cesec fez um levantamento sobre sete tipos de crimes registrados, de 2000 a 2005, na capital, em Niterói e São Gonçalo: assalto a transeuntes, homicídio doloso, roubo e furto de veículos, assaltos em ônibus e a residência, além de roubo de celular.

A pesquisa do Cesec destacou nove áreas na Região Metropolitana: Zona Sul, que foi dividida em duas; Zona Norte, também dividida em duas; Centro; Barra, Recreio e Jacarepaguá; outra parte da Zona Oeste; Baixada; Niterói e São Gonçalo. Além do estudo, repórteres do GLOBO foram às ruas para identificar os locais considerados mais violentos pela população, a partir de relatos como o da comerciante Sônia Vieira Lima Quilelli. Ela já foi assaltada dez vezes: três em Botafogo e uma em São Conrado, na Cinelândia, na Praça Quinze, na Avenida Rio Branco, na Praça Mauá, no Largo do Machado e na Estrada Grajaú-Jacarepaguá.

— Botafogo é um lugar muito perigoso. Já fui assaltada por bandido em bicicleta, em moto, a pé e por um grupo de menores de rua. Eu estava num ônibus da linha 125 (Central-General Osório) quando três bandidos fizeram um arrastão. É uma situação muito estressante, que deixa a gente traumatizada. Apesar de saber que não devo reagir, a tensão muda meu comportamento — disse Sônia, que já reagiu uma vez, derrubando um ladrão na rua e escapando do assalto.

Em 2005, os assaltos em ônibus também ultrapassaram, em algumas áreas, os números registrados em 2000, quando os roubos de celulares passaram a ser computados separadamente somente em novembro. Na Zona Sul, o número de casos chegou perto desse patamar. O maior crescimento foi em Niterói, em parte da Zona Norte e na Baixada.

Segundo Leonarda Musumeci, coordenadora do trabalho, a análise das estatísticas fica mais difícil pelo fato de a polícia não divulgar se os celulares foram roubados em ônibus, residências ou de transeuntes.

— A retirada do celular causou inicialmente uma diminuição dos índices de assalto a transeuntes e roubo em coletivos. Mas o crescimento desses crimes já elevou os índices para o mesmo patamar em que estavam antes da mudança ou até acima. Se os locais onde os celulares foram roubados, como em ônibus, por exemplo, fossem divulgados, poderíamos continuar acompanhando a evolução dos roubos em coletivos sem o impacto da retirada. Mas não podemos deixar de constatar que o Rio está entre os melhores estados em termos de divulgação de incidência criminal — afirmou Leonarda.

 

Jurista critica índice separado

Para o jurista Ubyratan Cavalcanti, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), não há explicação para a criação do índice separado para roubo de celulares. Segundo ele, essa medida contraria o Código Penal. O jurista explicou que, para o código, não importa o que foi roubado, e sim que a pessoa foi assaltada.

— A polícia não pode estabelecer normas que venham a contrariar o Código Penal e não pode criar normas que sejam pura invenção. Não dá para entender essa distinção. Pouco importa o objeto roubado: carteira, relógio ou celular, por exemplo — afirma Cavalcanti.

Muitos casos não são registrados, o que também atrapalha o acompanhamento de alguns tipos de crime. A secretária executiva Ingrid von Monfort, que desde 2001 teve quatro celulares roubados (um deles estava com a filha, assaltada num ônibus), registrou apenas um dos casos.

— Da primeira vez, a única que registrei, os ladrões levaram minha bolsa, cartões, documentos e celular. Tenho muito medo de andar nas ruas. Eu fico mais ligada no que está ao redor do que no que preciso fazer. Fico preocupada em saber se tem alguém me seguindo, mudo de calçada, é uma paranóia. A sensação de ser assaltada é horrível — disse Ingrid.

Procurada pelo GLOBO, a Secretaria de Segurança Pública não designou qualquer representante para responder a perguntas.

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Taxa de homicídios quadruplicou

A taxa de homicídios dolosos por cem mil habitantes na área do 23 BPM (Leblon) quadruplicou de 2000 a 2005, passando de 4,4 para 16,8, sendo que 72,7% deles foram registrados na 15 DP (Gávea), que engloba Rocinha e Vidigal, segundo a pesquisa do Cesec. De 1 de janeiro a 1 de maio deste ano, houve dez homicídios, todos durante confrontos no Vidigal e na Rocinha.

Na última terça-feira, durante um tiroteio na Rocinha, por pouco João Bosco, morador de uma cobertura da Rua Dias Ferreira, no Leblon, não engrossou as estatísticas. Uma bala de fuzil atravessou a telha de amianto de sua área de serviço, perfurando o freezer.

— Até o mês passado, minha mulher passava roupa neste lugar onde fica o freezer. Nunca imaginei que uma bala perdida da Rocinha chegasse aqui — comentou Bosco.

Já em outra parte da Zona Sul — as áreas do 19 BPM (Copacabana), do 2 BPM (Botafogo) e da 7 DP (Santa Teresa) — a taxa caiu de 18,6 para 13,2. Nessa região, a maior incidência foi registrada na 7 DP, com 32% dos casos. Em seguida ficaram 9 DP (Catete), com 23%; a 12 e a 13 DPs (ambas em Copacabana), que somadas atingiram também 23%; e a 10 DP (Botafogo), com 22%.

O presidente da Câmara Comunitária de Catete, Glória e Flamengo, Jorge Dollinger, disse que os tiroteios no Catete são cada vez mais comuns:

— É uma vergonha que o Morro Santo Amaro tenha sempre tiroteio, quando o Bope está a cem metros do local, na Rua Tavares Bastos.

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