Entidade pedirá à Justiça interdição de cadeias

Primeiras ações devem atingir Polinter do Centro e Presídio Evaristo de Moraes, avaliados como as piores unidades

 

Carceragem da Polinter no Centro: cerca de 70 pessoas são confinadas em celas de 12 metros quadrados. Presídio Evaristo de Moraes, vizinho ao Jardim Zoológico, em São Cristóvão: os presos têm de adotar soluções criativas para conviver com goteiras, pombos e ratazanas. Condições sanitárias e de infra-estrutura precárias, ociosidade e denúncias de corrupção retratam o abandono de prisões do estado visitadas por uma equipe contratada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, entre outubro e dezembro de 2002.

 

Relatório mostra problemas nas 16 unidades visitadas

O grupo esteve em 14 unidades do Desipe e em duas da Polícia Civil e produziu um relatório, que servirá de base para o trabalho a ser desenvolvido pela Associação pela Reforma Prisional (ARP). A entidade será lançada amanhã e terá como uma de suas prioridades ingressar na Justiça com ações civis públicas, em nome de presos, pedindo a interdição de locais que não funcionam de acordo com a legislação. As primeiras ações devem pedir o fechamento da Polinter do Centro e do Presídio Evaristo de Moraes, avaliadas como as unidades em pior estado.

– A melhoria das prisões resultará em mais proteção para os agentes penitenciários e para a sociedade em geral. A cadeia reproduz a violência. Presos tratados com violência saem da prisão mais violentos – diz a socióloga Julita Lemgruber, sócia-fundadora da ARP e diretora do Cesec.

Em todas as unidades vistoriadas foram encontrados problemas, mas o Presídio Nelson Hungria (Estácio) foi desativado este ano. A situação é mais grave em 12 delas e menos precária no Instituto Penal Romeiro Neto (Niterói), na Penitenciária Talavera Bruce (Bangu), ambos para mulheres, e no Hospital Psiquiátrico Penal Roberto Medeiros (Bangu).

 

Documento diz que presídio ganhou ares de favela

Segundo o relatório do Cesec, o Evaristo de Moraes ganhou ares de favela. O presídio foi construído em 1960 num antigo galpão destinado a ser garagem do estado, com pé direito muito alto. Parte das telhas de amianto já não existe mais e as celas são separadas por paredes de concreto, descobertas e com altura bem inferior à do telhado (exceto as celas de segurança). “Os presos buscam proteger o espaço da cela construindo toldos improvisados de plástico. Água e fezes de pombos se armazenam em cima desse plástico”, assinala o relatório. A disposição das celas também faz com que os presos circulem por cima dos muros que as dividem.

Ratazanas proliferam ainda no Evaristo de Moraes, obrigando os presos a manobras para mantê-las distantes, como deixar punhados de restos de comida do lado de fora das grades. Em cada cela, com chão de cimento, ficam alojados de 25 a 40 presos, em beliches de concreto.

A médica sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz Dina Cczeresnia, que integrou o grupo da vistoria, diz em seu laudo que as condições do Evaristo de Moraes possibilitam doenças mentais, sexualmente transmissíveis, respiratórias, transmitidas por pombos, além de leptospirose, gastroenterites e dengue.

Denúncias veladas de corrupção foram citadas também por presos do Evaristo de Moraes durante a vistoria. As taxas de suborno cobradas por agentes penitenciário variariam de R$ 80, para uma visita íntima, a R$ 5, para o uso de um telefone. Outro problema detectado no presídio foi a ociosidade dos detentos.

Na carceragem da Polinter no Centro, o laudo da sanitarista da Fiocruz mostra que “as condições dos detentos são de privação máxima: amontoamento, ausência de ar, promiscuidade, mau cheiro, inexistência de qualquer privacidade”. A sanitarista acentua que, devido à superlotação, os “presos estão vivendo uma situação de tortura física e mental”. No interior das celas, há um ou dois andares improvisados com redes, nas quais alguns detentos ficam sentados ou deitados. Os que ficam no térreo estão “comprimidos e encostados uns aos outros”.

 

Nova entidade proporá leis e fará campanhas

A ARP é uma entidade da sociedade civil sem fins lucrativos, que tem o apoio do Cesec e é financiada com recursos da Fundação Ford. O lançamento da associação será às 18h30m de amanhã, no auditório da Universidade Cândido Mendes, na Rua da Assembléia 10, 42º andar. Também a partir de amanhã a entidade poderá ser acessada pela internet, no site do Cesec (www.cesec.ucam.edu.br).

Além de ações judiciais, a ARP proporá mudanças legislativas do direito penitenciário, promoverá campanhas de conscientização pública e encaminhará representações ao Ministério Público. Entre os sócios-fundadores da associação, há advogados criminalistas, sociólogos, antropólogos, representantes de ONGs e artistas.

– O que queremos é o cumprimento da Lei de Execução Penal e da Constituição federal, que têm sido ignoradas no que se refere ao sistema penitenciário – afirma Julita.

A socióloga dirigiu o Desipe entre 1991 e 1994 e chama a atenção para o aumento da população carcerária. Naquele período, havia 12 mil detentos (nove mil em unidades do Desipe e três mil em carceragens da polícia). Hoje, o número de presos subiu para 26 mil (19 mil no sistema do Desipe e sete mil em delegacias do estado):

– Foram construídas novas unidades prisionais. Mesmo assim, o número de vagas é insuficiente – destaca Julita.

Cada preso no Brasil custa, em média, R$ 700 por mês, valor que corresponde a dez vezes o custo de um aluno de escola pública do ensino fundamental no Rio:

– A prisão deve ser reservada para aqueles que são perigosos e violentos – observa Julita.

Segundo a socióloga, entre 30% e 40% dos detentos têm direito a livramento condicional ou a progressão de regime, mas continuam em prisões fechadas. Os motivos, alega ela, são a morosidade da Justiça e as deficiências do sistema penitenciário.

 

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Saiba mais do relatório

POLINTER DE RICARDO DE ALBUQUERQUE: Por causa da superlotação, os presos ficam de pé a maior parte do dia e da noite. “É preciso fazer um revezamento para dormir ou descansar as pernas”, revela o relatório.

PRESÍDIO ARY FRANCO: Inaugurado em 1975 em Água Santa, é a porta de entrada do sistema penitenciário. Detentos contam que, logo que chegam, têm de declarar a que facção pertencem, sendo encaminhados às galerias “transformadas em guetos de facções criminosas”. Durante a visita, foi constatado que o Ary Franco não estava cumprindo a função de local de triagem, onde os detentos deveriam permanecer por até um mês, sendo encaminhados para outras unidades do Desipe.

PRESÍDIO HÉLIO GOMES: Inaugurado em 1856 no Estácio, as goteiras se multiplicam nas celas, obrigando os presos a usar sacos plásticos como cobertura, que formam “um segundo teto abaixo da telha original”.

CASA DE CUSTÓDIA JORGE SANTANA: Inaugurada em 1999 em Bangu, na prática não é uma casa de custódia. No momento da vistoria, 70% dos 538 presos já tinham sido condenados, muitos em regime semi-aberto.

CASA DE CUSTÓDIA MONIZ SODRÉ: No dia da vistoria, havia 1.200 presos, lotação superior à capacidade dessa unidade de Bangu (500 detentos). A maioria dos presos tem entre 21 e 26 anos e não conta com qualquer tipo de atividade. Cada cela abriga 70 detentos, que disputam um banheiro, com dois vasos turcos no chão.

PENITENCIÁRIA SERRANO NEVES: Bangu III foi construída em 1997. Logo na entrada, o teto de gesso é rebaixado.”Foi ali, entre a laje e o teto, que os detentos esconderam armas, incluindo granadas e fuzis, na rebelião de outubro de 2002″, diz o relatório.

PENITENCIÁRIA ESMERALDINO BANDEIRA: Foi constatada falta de segurança na penitenciária, inaugurada em 1957 em Bangu.”Não existem rolos de arame farpado sobre os muros, tampouco cercas ou fossos em torno deles”, informa o relatório. Mais adiante, o documento explica que no interior dos pavilhões “as grades das celas são destruídas pelos presos e assim permanecem porque, segundo a administração, não há recursos para consertá-las”. A ociosidade dos presos é outro problema.

PENITENCIÁRIA MILTON DIAS MOREIRA: Inaugurada em 1941 no Estácio, um dos horrores dessa penitenciária é a área conhecida como “Pantanal, que não tem janelas e a ventilação vem das grades da porta de entrada. Lá, ficam os presos que não têm condições de convivência e aqueles que cumprem penas disciplinares.

EDGAR COSTA: Inaugurado em 1966 como instituto penal. Deveria abrigar presos em regime semi-aberto e com direito aos benefícios do trabalho externo e da visita periódica ao lar. Durante a vistoria, foi verificado que a maior parte dos internos (298 de 430) cumpre pena em regime fechado e não realiza qualquer atividade.

HEITOR CARRILHO: O hospital de custódia e tratamento psiquiátrico foi inaugurado em 1921, no Estácio. Deveria atender apenas presos com distúrbios psiquiátricos. Mas, desde 1995, passou a tratar também usuários de drogas. Uma das descobertas feitas foi a de que drogas ilícitas circulam livremente.

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