Jacarezinho: ‘Em nenhum lugar do mundo ação policial com 25 mortos seria aceita’, diz cientista político

Policiais caminham pelas ruas da favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro | MAURO PIMENTEL/AFP/GETTY IMAGES

A ação da Polícia Civil do Rio de Janeiro na comunidade do Jacarezinho que terminou com 25 pessoas mortas na manhã desta quinta-feira (06/05) — entre elas um agente da própria corporação — reflete o crescimento do número de vítimas durante operações das forças de segurança fluminenses no início deste ano, auge da pandemia de covid-19 no país.

Segundo a Rede de Observatórios de Segurança, as operações policiais aumentaram 51% no Rio de Janeiro nos quatro primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 351 ações, ante 232 de janeiro a abril de 2020.

O número de mortes durante essas operações também cresceu no primeiro trimestre: saiu de 75 vítimas no ano passado para 95 de janeiro a março de 2021 — uma alta de 26,6%.

Esses dados ainda não contabilizam as 25 mortes no Jacarezinho. A invasão da polícia ocorreu apesar de uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) suspender, em junho de 2020, operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia.

A decisão permite ações apenas em “hipóteses absolutamente excepcionais”. Para isso, os agentes precisam comunicar ao Ministério Público sobre o motivo da operação. Dessa vez, o MP ainda não se pronunciou sobre o caso.

Para o cientista político Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), ações violentas como essa, empreendidas pelas forças policiais fluminenses, não seriam aceitas em nenhum lugar do mundo. “Só no Brasil o cumprimento de mandados de prisão termina com 25 mortos e ainda é chamado de ‘operação policial'”, diz.

“Essas operações não ocorrem nem em outros Estados. Mas, no Rio, elas acontecem com frequência e passam em branco: a Justiça não pune ninguém. A impunidade é uma certeza e alimenta o comportamento violento da polícia”, afirmou Nunes, em entrevista à BBC News Brasil, por telefone.

Segundo ele, a decisão do STF inicialmente freou a violência policial nas comunidades do Rio, principalmente nos primeiros meses. “Mas depois a própria chefia da polícia afirmou que as operações no Rio não se enquadravam na decisão do STF, porque eram essenciais”, afirma.

“As estruturas e comportamentos violentos da polícia nunca foram enfrentados de fato no Rio de Janeiro. Eles se perpetuaram. Ações como essa não são mais novidade”, diz Nunes.

Já Silvia Ramos, cientista social e coordenadora da Rede de Observatórios de Segurança, critica a maneira como a polícia justifica tantas mortes durante seu trabalho. “Quem são esses mortos? Para a polícia, basta ser morador de favela para ser considerado suspeito”, diz.

“A polícia está empilhando corpos de jovens negros, chamando-os de criminosos. Mas a pergunta é: quem são esses jovens, quais os nomes deles, onde estão suas famílias? Não é possível continuar matando as pessoas assim.”

Ainda durante a ação, um morador foi atingido no pé, dentro de casa. Dois policiais civis também se feriram. Outras duas pessoas foram atingidas enquanto estavam dentro do metrô que passa pela região – uma delas por um tiro, a outra por estilhaços de vidro.
O que diz a polícia?

A Polícia Civil afirma que entrou na comunidade após receber denúncias de que traficantes locais estariam aliciando crianças e adolescentes para a prática de ações criminosas.

Segundo o comunicado, a polícia identificou, através de trabalho de inteligência e uso de quebra de sigilos autorizada pela Justiça, 21 integrantes da quadrilha, responsáveis por garantir o domínio do território através do uso de armas.

“Foi possível caracterizar a associação dessas pessoas com a organização criminosa que domina a região, onde foi montada uma estrutura típica de guerra provida de centenas de ‘soldados’ munidos com fuzis, pistolas, granadas, coletes balísticos, roupas camufladas e todo tipo de acessórios militares”, disse a corporação.

Ainda conforme a corporação, a região do Jacarezinho é considerada um dos quartéis-generais da facção Comando Vermelho na Zona Norte do Rio de Janeiro.
“Em razão da dificuldade de se operar no terreno, por conta das barricadas e das táticas de guerrilha realizadas pelos marginais, o local abriga uma quantidade relevante de armamentos”, diz a nota oficial.

A corporação confirmou a morte do policial André Leonardo de Mello Frias durante a operação.

Num post no Facebook, a Secretaria de Polícia Civil afirmou que Frias “honrou a profissão que amava e deixará saudade” e que “lamenta, ainda, pelas vítimas inocentes atingidas no metrô”.

Na nota, a pasta defendeu a necessidade das operações em favelas. “A ação foi baseada em informações concretas de inteligência e investigação. Na ocasião, os criminosos reagiram fortemente. Não apenas para fugir, mas com o objetivo de matar”, escreveu o órgão, na postagem.

“Infelizmente, o cenário de guerra imposto por essas quadrilhas comprova a importância das operações para que organizações criminosas não se fortaleçam.”

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