Mulheres no crime: em 10 anos, cresce número de presas e de foragidas no RJ

Em 2009, não havia mulheres no Portal dos Procurados, em contraste com as 40 divulgadas em dezembro de 2019. Entre os crimes mais comuns, estão tráfico de drogas e roubo qualificado.

Assista aqui à reportagem:

Tráfico de drogas é a maior causa das prisões de mulheres, segundo pesquisa

Na contramão da violência, em que cresce o número de vítimas entre as mulheres, um outro dado chama a atenção: o da criminalidade envolvendo a participação feminina no Estado do Rio.

Segundo dados da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap-RJ), em dez anos, o número de mulheres presas no Rio aumentou em 52,16%, totalizando 1.794 detentas em dezembro de 2019, em comparação com as 1.179 no mesmo mês de 2009. Atualmente, a população carcerária masculina é de 50.843 detentos.

Acompanhando o ritmo da estatística da Seap-RJ, outra escalada foi percebida no Portal dos Procurados, plataforma do Disque Denúncia que divulga os principais criminosos foragidos do Estado.

Segundo os dados, em 2009, não constavam mulheres no programa. Dez anos depois, em dezembro de 2019, 40 tinham perfis divulgados na plataforma, todas com recompensas pelas respectivas capturas.

Em janeiro de 2020, duas mulheres tiveram os mandados de prisão descartados, totalizando 38 divulgadas no Portal dos Procurados.

Entre os crimes mais comuns pelos quais são presas, segundo a Seap-RJ, estão tráfico de drogas, roubo e furto qualificados. Em dezembro de 2019, 734 delas eram reincidentes no sistema prisional.

Uma das novas unidades direcionadas a mulheres foi reinaugurada recentemente pelo governador Wilson Witzel, com 704 vagas. Na ocasião, o governador informou que o estado possui um déficit de 25 vagas no sistema carcerário, incluindo homens e mulheres.

Fenômeno mundial

O aumento de mulheres presas pelo tráfico de drogas não é exclusivo no Brasil, mas sim um fenômeno mundial, sendo responsável por aproximadamente 70% das detenções femininas no país, contra cerca de 30% das masculinas, de acordo com a socióloga Julita Lemgruber.

“Isso está intimamente ligado ao envolvimento delas no tráfico de drogas, de diferentes formas. No entanto, essas mulheres ainda ocupam posições muito subordinadas na estrutura do tráfico. Pesquisas fora do Brasil indicam que essas mulheres são aquelas em que, no momento da prisão, vão ter pouco para trocar com o policial para garantir a sua liberdade, ao contrário dos homens”, explica a especialista.

Ainda segundo a socióloga, o aumento das prisões por tráfico de drogas se tornou mais expressivo após a Lei de Drogas (Lei 11.343) aprovada em 2006, que endureceu penas para pessoas consideradas traficantes.

A especialista destaca a lotação no sistema carcerário depois da nova legislação devido à prisão de mulheres sem antecedentes criminais ou conduta de violência. O mesmo posicionamento foi levantado pela ONG Humans Right Watch, em 2017, no qual apontou a falta de clareza da lei levando muitos usuários a serem condenados como traficantes.

“Se a gente for olhar o perfil dessas mulheres e também dos homens, a maior parte deles são réus primários, são presos com pouca quantidade, não estavam armados e não podem ser vinculados a facções criminosas. Esse é o perfil da maior parte dos presos por tráfico de drogas no Brasil. Mas, se você olhar para o caso das mulheres, a situação é ainda mais grave porque grande parte delas são mães”, conclui Julita.

Relação familiar

Bebê com a mãe dentro da Unidade Materno Infantil, na Zona Oeste do Rio — Foto: Fernanda Berlinck/ G1

Entre as presas, segundo dados da Seap-RJ, sete mulheres estavam acauteladas na Unidade Materno Infantil em dezembro de 2019.
O local é destinado às detentas que têm bebês, para que amamentem as crianças seis meses seguintes aos nascimentos. Este período pode ser prorrogado, levando em consideração a necessidade das crianças e a proximidade do fim da pena das detentas.

Para Julita, a prisão massiva de mulheres gera um problema social grave devido à separação da maternidade.

“Se a maior parte dessas mulheres não é violenta, não é perigosa, e são mães, a sociedade deveria estar preocupada em ter alternativas à pena de prisão para essas mulheres na medida em que há um problema social muito grande que é gerado com a prisão delas, porque essas mulheres são mães e são chefes de família. Muito comumente, essas mulheres têm filhos cujos pais já abandonaram essa família, já abandonaram essas crianças, e a mãe é a única responsável”, afirma.

Em fevereiro de 2019, o G1 conversou com algumas das detentas e mostrou as histórias destas mulheres.

Hello Kitty, Duda da Rocinha e milicianas: as histórias das procuradas

Rayane Nazareth Cardozo canta em templo envangélico à esquerda. Atualmente, conhecida como Hello Kitty, gerencia o tráfico de drogas em comunidade de Sâo Gonçalo. — Foto: Reprodução

Hello Kitty

Rayane Nazareth Cardozo da Silveira, de 20 anos, a Hello Kitty, está entre as 38 foragidas divulgadas no Portal dos Procurados. Investigada por crimes que vão de roubos a homicídios, Hello Kitty é apontada pela Polícia Civil como gerente do tráfico de drogas da comunidade Nova Grécia, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.

Apesar de jovem e do apelido que remete a um desenho infantil, a traficante também ganhou notoriedade ao publicar fotos em que ostenta armamento de forte calibre nas redes sociais. As imagens contrastam com a foto, divulgada pelo jornal Extra, em que Rayane aparece cantando em um templo evangélico antes de ser procurada pela polícia.

Nascida em 25 de dezembro de 1999, Rayane foi criada no Morro da Ilha da Conceição, em Niterói. Segundo a delegada da 78ª DP (Fonseca), Camila Lourenço, Hello Kitty entrou na mira da polícia em 2018, depois de ser apontada por diferentes vítimas de roubos na região do Fonseca.

“Ela perpetrou vários roubos com o comparsa que faleceu em Minas Gerais, o namorado dela. Depois, ela se refugiou em comunidades em São Gonçalo e passou a atuar efetivamente como um braço do tráfico de drogas. As testemunhas foram unânimes porque ela tem características muito peculiares, até por ser uma mulher na ação, facilitou o reconhecimento”, afirma a doutora.

As recompensas por Hello Kitty e Vinte Anos é de R$ 1 mil e as denúncias podem ser enviadas pelo telefone do Disque Denúncia, ligando para 2533-1177.

Eduarda dos Santos Lopes, a Duda, filha do antigo chefe da Rocinha, o Nem, articula apoio de facção paulista para invadir a Rocinha — Foto: Reprodução/TV Globo

Duda da Rocinha

Entre as foragidas mais procuradas no sistema, também está Eduarda dos Santos Lopes, de 19 anos, a Duda da Rocinha. Com recompensa de R$ 1 mil, a polícia tenta prender a filha do traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, detido em um presídio federal em Rondônia.

Segundo o Portal dos Procurados, Duda é acusada de tentar retomar pontos de drogas da maior favela do país, que fica na Zona Sul do Rio. Em 2018, policiais da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod) interceptaram um plano de invasão à favela da Rocinha, ordenado por Nem e comandado por Duda.

As investigações apontaram que ela pretendia retomar o território perdido pelo pai com o apoio de uma facção criminosa de São Paulo. Duda foi flagrada em um vídeo que mostra o encontro de parte do bando, em São Paulo. Ela é quem dava as ordens à quadrilha.

A guerra na Rocinha teve início em 2017, depois de Duda trazer ordens do pai após uma visita na cadeia. O pedido de Nem era de que seu ex-aliado, Rogério Avelino da Silva, o Rogério157 deveria entregar o comando da favela. Rogério 157 não aceitou.

A disputa pelos pontos de venda de drogas levou meses de pânico à comunidade e deixou mais de 30 mortos.

Marilene de Souza Freitas

Outra divulgada no Portal dos Procurados é a irmã do ex-policial militar Eugênio de Souza Freitas, o Batoré, apontado como líder da quadrilha de milicianos que extorquia motoristas de vans na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio.

Marilene e o irmão, que foi morto durante uma operação da Polícia Civil em junho de 2019 – chegou a ser presa em abril do mesmo ano, mas foi solta após uma decisão do plantão judiciário.

Ela é acusada pelo Ministério Público estadual de lavar dinheiro para a quadrilha. Na época, segundo a Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança (SSinte), a quadrilha arrecadou R$ 27 milhões com extorsões semanais a motoristas de vans e kombis das 13 linhas que circulavam na Ilha do Governador.

A ação do grupo aconteceria, de acordo com as investigações, com o apoio do traficante Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, que também foi morto em 2019 após ser localizado por policiais militares que faziam uma operação no Morro do Dendê.

Mariele é irmã do ex-PM e miliciano Batoré — Foto: Divulgação/Portal dos Procurados

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