Na madrugada da última sexta-feira, cinco homens armados invadiram um bar na localidade de Agulhas Negras, em Campo Grande, Zona Oeste, para mais um confronto armado entre grupos que disputam as linhas de transporte alternativo na região. Três pessoas morreram e duas ficaram feridas. Foi apenas mais um caso na guerra dos grupos de extermínio que, desde 2000, já vitimou mais de cinco mil pessoas na região. A disputa pelo controle da segurança privada, do transporte clandestino e das máquinas de caça-níqueis vem multiplicando a existência dessas quadrilhas, que hoje representam 88,36% das denúncias sobre a atuação de grupos de extermínio em todo o estado.
Das 997 denúncias encaminhadas pelo Disque-Denúncia à Secretaria de Segurança no ano passado, 881 foram sobre grupos que atuam na Zona Oeste, principalmente em bairros como Campo Grande, Santa Cruz e Jacarepaguá. O crescimento dessas quadrilhas pode ajudar a explicar por que em 2004, quando o número de homicídios caiu em todas as regiões do estado, na Zona Oeste esse tipo de crime teve aumento de 10,4%. Criada há quase três anos para investigar a violência na região, a Delegacia de Homicídios da Zona Oeste (DHOeste) tem quatro inquéritos sobre grupos de extermínio. Além disso, em pelo menos outros dez inquéritos sobre homicídios, apura a participação desses bandos.
Deputado: milícias intimidam população
Segundo um parlamentar da região que pediu para não ser identificado, em quase todos os bairros há milícias formadas por policiais e ex-policiais que vendem segurança, muitas vezes intimidando moradores. De acordo com o político, a conseqüência é que em muitos casos os integrantes desses grupos, chamados justiceiros, querem mostrar serviço e matam pelos motivos mais fúteis, principalmente homens jovens e negros.
– Muitos garotos morreram por causa de uma bicicleta (roubada) ou por estarem com um cigarro de maconha – disse o parlamentar.
De acordo com o levantamento que vem sendo feito por policiais da DHOeste, há pelo menos dez grupos, a maioria formada por PMs e ex-policiais, em localidades como Rio das Pedras, Gardênia Azul, Conjunto Cesar Maia e Favela do Jordão, em Jacarepaguá; Tingui, Santa Margarida, Rio da Prata e Jardim Maravilha, em Campo Grande; e Urucânia-Saguaçu, em Santa Cruz. Em Bangu, os chamados justiceiros são ligados ao tráfico de drogas.
– Bangu tem uma característica distinta de outros bairros da Zona Oeste. Existe uma classe média forte, cercada por um grande bolsão de pobreza, produzindo uma perigosa simbiose para o tráfico. De um lado, há o mercado consumidor; do outro, o bolsão de pobreza, onde o tráfico impera. O resultado disso é muita violência – afirmou o promotor Bruno Guimarães.
Segundo o juiz Alexandre Abraão, da 1 Vara Criminal de Bangu, os grupos de extermínio na região não são ligados a policiais, mas a traficantes:
– Eles são os justiceiros locais. A vida parece ter perdido valor. Em Jacarepaguá, a polícia vem tentando desbaratar milícias envolvidas em homicídios. No final de março, a Delegacia de Homicídios (DH) prendeu dois PMs acusados do assassinato do vigilante André Luiz Leão Vandeli, ocorrido no dia 20 do mês passado, no Morro do Jordão, uma das favelas sem tráfico no bairro. Sérgio Alves Fernandes, do 23 BPM (Leblon), e Alexandre Luís Martins, do 22 BPM (Maré), faziam parte da quadrilha que matou André e é formada por pelo menos mais um policial.
Eles estavam sendo investigados, segundo o delegado substituto da DH, Alexandre Gusman, por atuarem em grupos de extermínio em Jacarepaguá. Os PMs chefiam milícias que expulsaram o tráfico de duas favelas do bairro, como O GLOBO noticiou em 20 de março.
Outro caso investigado pela DHOeste envolve o PM Ronaldo Facre, que está foragido. Ele é acusado de matar numa emboscada em Campo Grande o líder comunitário do Conjunto Dom Bosco, em Nova Iguaçu, Luiz Carlos da Mata. O crime teria sido motivado por disputa em torno uma linha de transporte clandestina.
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Número de assassinatos subiu 10,4%
No ano passado, na Zona Oeste do Rio, houve 1.103 homicídios, 10,4% a mais que em 2003. Dos crimes, apenas 50 foram na região da Barra da Tijuca. O restante aconteceu nas outras Áreas Integradas de Segurança Pública (Aisp) da Zona Oeste: Jacarepaguá (138), Santa Cruz (238), Campo Grande (305) e Bangu (372). No restante da cidade, houve 1.550 mortes, apenas 0,1% a mais que em 2003, segundo pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes.
A região foi a única em todo o estado em que houve crescimento no número de homicídios de 2003 para 2004. Se ela fosse retirada da estatística, a diminuição no número de homicídios dolosos no Rio teria sido de 5,2%, e não de 2,8%, como foi registrado. Além dos homicídios, a região ainda registrou 107 autos de resistência (mortes de civis em confronto com a polícia) e outros 668 desaparecimentos que, segundo a polícia, em até 75% dos casos são assassinatos com ocultação de cadáver.
Entre 2000 e 2004, foram registrados 5.284 homicídios, uma média de quase três por dia.
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