Programa de apoio a familiares de vítimas de chacinas no Rio de Janeiro

Capa do livro Auto de Resistência, criado pelos participantes do projeto

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O PROJETO

Em janeiro de 2007, iniciou-se formalmente o Projeto de Apoio a Familiares de Vítimas de Chacinas, o qual, entretanto, já funcionava de maneira informal e exploratória desde finais de 2005. Em seus primórdios, o projeto consistia em encontros regulares de apoio psicossocial, ocorridos como desdobramento da pesquisa “Mulheres e meninas em contexto de violência armada”, desenvolvida pelo Viva Rio e pelo Núcleo de Estudos para a Paz / Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra (NEP/CES), sob a coordenação de Tatiana Moura.

A partir de 2007, com a formalização do projeto, que passou a receber apoio da Fundação Ford e a ser gerido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania em parceria com o NEP, os encontros se intensificaram, o grupo se ampliou e as atividades se multiplicaram. O objetivo do trabalho, desde seu início, foi contribuir para a potencialização dos diversos movimentos e grupos de familiares de vítimas já existentes, buscando o fortalecimento individual e coletivo, e complementando os esforços de outros projetos, através da provisão de apoio regular e contínuo para o grupo em seu conjunto.

A meta do trabalho tem sido, desde então, ampliar o leque de recursos, promovendo o acesso à informação e, portanto, à justiça, além do fortalecimento psíquico e social.

A abordagem foi inspirada no trabalho de Carlos Martín Beristain – consultor do projeto e facilitador dos encontros do grupo em várias ocasiões: somar forças e facilitar as condições de superação do isolamento cotidiano, da dor das perdas e de suas conseqüências traumáticas; ajudar a construir um espaço de confiança, onde as emoções pudessem ser expressas e elaboradas positivamente, onde as experiências pudessem ser partilhadas de forma solidária e produtiva, de modo a ampliar a compreensão dos problemas e a capacidade de transformação do cenário que decorre da perda violenta (idéias registradas em seu texto “Comunidade como apoio” Serviço de Paz e Justiça -Serpaj/Brasil, DF, 1994).

O espírito do projeto, que encerrou suas atividades formais em julho de 2009, foi o de promover mecanismos de apoio que estimulassem a autonomização e contribuíssem para as iniciativas coletivas dos diversos grupos e movimentos de familiares existentes na busca por justiça.

Um importante desafio, ao longo do trabalho, foi ajudar a criar canais de vocalização, de pressão e de identificação mútua sem reproduzir os mecanismos perversos, cada vez mais comuns no Brasil e em outros países ocidentais, de atribuição de notoriedade ao lugar social da vítima e, portanto, de seu aprisionamento na condição de pessoa vitimada. Em outras palavras, contribuir para que pessoas marcadas por experiências violentas pudessem amplificar suas vozes, criar vínculos e fortalecimento mútuo, para escapar ao roteiro prévio que as condena a viver eternamente na dor, seguindo o script valorizado socialmente, como condição para obter o reconhecimento desejado.

EQUIPE

  • Barbara Musumeci Mourão e Tatiana Moura (coordenadoras)
  • Carla Afonso
  • Marco Aurélio Martins
  • Mércia Britto
  • Renata Lyra

Colaboradores:

  • Carlos Martín Beristain
  • Fernando Acosta

PARCERIA

Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal)

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

1. Encontros de apoio psicossocial

Os(as) participantes eram convidados(as) a discutir questões comuns enfrentadas pelo grupo, que diziam respeito ao processo que os conduziu à luta por justiça, dificuldades enfrentadas dentro e fora do grupo, projetos futuros a serem desenvolvidos em conjunto e problemas psíquicos que se originaram em decorrência da perda de um familiar. Com esse propósito, foram realizados 10 encontros, em 2007 e 7 encontros, em 2008. A metodologia escolhida para encaminhar os encontros variou de acordo com o tema a ser trabalhado. Assim, foram realizadas, por exemplo, exposições realizadas por especialistas, debates com a partição dos familiares e dinâmicas de grupo.

2. Encontros de lazer

Com a tragédia da perda de um parente, o convívio social se torna, por vezes, bastante prejudicado (dificuldade de freqüentar lugares onde antes se esteve com a pessoa assassinada, de ir a festas, de usufruir de diversas formas de lazer como a música, de lidar com o sentimento de traição por se sentir feliz etc.). O movimento contrário também está presente, segundo os(as) familiares, havendo uma espécie de cobrança da sociedade no sentido de que ele(a)s se mantenham em posição de tristeza e abatimento. Os encontros culturais e de lazer passaram, assim, a complementar os encontros psicossociais com o objetivo de melhorar as relações intra-pares, de produzir divertimento e entretenimento e de desenvolver novas formas de aprendizagem. A programação cultural envolveu atividades como visitas guiadas ao Jardim Botânico, a Oficina do Movimento com a Artista Flávia Lopes, o espetáculo SubZirko — Destinos Bajo Tierra , (peça encenada por jovens artistas formados pela Escola de Circo Social do Chile da ONG El Circo del Mundo Chile), a ida ao Cinema do Paço Imperial (para assistir aos filmes Juízo e os Narradores de Javé), o espetáculo Doce de Leite (sob direção de Marilia Pera), o espetáculo Universo Gentileza, no circo Crescer e Viver etc.

3. Dois cursos de Promotoras Legais Populares

Em 2007 foi realizado o 1º curso, que teve duração de cinco meses, com carga horária de 56 horas e a participação de 20 professores-palestrantes. O Curso abordou questões relativas à violência, aos direitos civis, ao sistema de justiça criminal, à segurança pública, às relações de gênero e às organizações sociais.

Como a proposta do curso era atender a demandas específicas, apontadas pelos(as) familiares durante os encontros mensais, a matriz curricular foi elaborada conjuntamente, a partir de dinâmicas de grupo, nas quais foram definidos os temas das aulas e o logotipo do curso — utilizado nos crachás, nas camisetas e nos diplomas.

O 2º curso, realizado em 2008, com duração de dois meses e carga horária de 56 horas, teve um caráter mais prático, visando a desenvolver habilidades e a complementar e consolidar conhecimentos abordados no módulo anterior. Contou com a participação de seis professores-palestrantes, que abordaram questões como: história contemporânea do Brasil, organizações da sociedade civil, formulação de projetos de geração de renda e oratória. As aulas foram ilustradas por três visitas a campo: ao Museu da República, ao projeto Arteiras e à Associação de Padeiras Autônomas do Morro de Cantagalo Pão & Vida, ambos fundados no modelo de economia solidária.

4. Plantão de apoio jurídico

Iniciado em fevereiro de 2007, o “plantão jurídico” teve como objetivo a) prestar esclarecimentos acerca do andamento de inquéritos policiais e militares e dos processos judiciais das varas criminais e cíveis; b) ajudar a elucidar dúvidas sobre outros processos ou situações legais que envolvessem casos de violência policial e c) esclarecer temas tratados durantes os módulos do curso de Promotoras Legais Populares.

5. Criação de uma rede de apoio psicológico

A Rede de Apoio Psicológico, desenvolvida desde o início do projeto, em 2007, foi uma iniciativa pensada com o intuito principal de acolher e dar suporte psicológico a familiares de vitimas de chacinas no Rio de Janeiro.

6. Produção de um livro de autoria coletiva

O livro, intitulado Auto de resistência: relatos de familiares de vítimas da violência armada, reúne os escritos produzidos por 17 mulheres, familiares de vítimas (14 mães, uma esposa, uma irmã e uma sogra) e a reprodução de entrevistas que elas fizeram entre si. Embora nem todas as chacinas ocorridas no estado estejam retratadas no livro, os relatos expressam o ponto de vista de cada familiar a respeito de alguns dos trágicos episódios que se tornaram conhecidos da população.

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